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ORIGEM DA DEVOÇÃO À SÃO MARCOS EM NOVA VENÉCIA: A INCRÍVEL HISTÓRIA DO LEÃO ALADO DE BRONZE

Por Izabel Maria da Penha Piva* e Rogério Frigerio Piva**

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“UMA DÁDIVA ITALIANA. O município de Veneza teve a nímia gentileza de offerecer á colônia italiana de Nova Venecia, em São Matheus, uma interessante e artística dádiva, como prova de sympathia e agradecimento pela escolha do nome da linda cidade de Italia para o longínquo lugarejo do nosso Estado. (…) Trouxe esse bello e gentil presente o <<Italia>>, que há poucos dias ancorou nas nossas costas, trazendo de ultra marino um traço frisante e punjante da brava gente italiana. Acompanha-o uma mensagem do Prefeito de Veneza e uma carta do embaixador Giovanni Giuriati, ambas dirigidas ás autoridades locaes a que se destina a lembrança. O sr. Presidente do Estado fará opportunamente a entrega do quadro, que se acha exposto no mostruário da casa Matheus Vasconcellos, á Avenida da República. (…) É o leão alado de São Marcos, symbolo da cidade de Veneza, todo de bronze, fixado sobre um fundo escarlate de velludo. (…) sentimo-nos bem em nos fazer pregoeiro dessa nova, levando ao consul italiano, sr. Mario Petrochi, as expressões mais vivas do nosso agradecimento (…)” (Jornal DIÁRIO DA MANHÃ, Victoria, terça-feira, 8 de Abril de 1924, Ano XVIII, Nº 195, páginas 02-03)

A devoção a São João Marcos, o evangelista, não foi como muitos podem pensar a primeira em nossa região, pelo contrário, é mais recente do que se imagina. A origem de São Marcos como padroeiro da igreja matriz situada no Centro da cidade de Nova Venécia está relacionada a dois fatos no início da colonização do município.

O Núcleo Colonial de Nova Venécia
O primeiro foi a fundação, em 1892, do Núcleo Colonial de Nova Venécia para recebimento de colonos imigrantes italianos que estavam se estabelecendo, desde o final de 1888, na região então chamada de “Serra dos Aimorés”, sertão do município de São Mateus. O responsável pela criação do Núcleo Colonial foi o engenheiro, Dr. Antônio dos Santos Neves, que era seu Diretor e estabeleceu a planta e o local da sede do mesmo, onde, posteriormente, surgiu a povoação que depois virou vila e hoje cidade de Nova Venécia.

Segundo os descendentes do Dr. Antônio dos Santos Neves e o que regia a legislação da época, ele teria sido o responsável por batizar o Núcleo Colonial com o nome de Nova Venécia, tendo em vista que os colonos que para cá vieram eram, em sua maioria, oriundos da região do Vêneto (Venécia em português), norte da Itália, cuja capital, é a cidade de Veneza (“Venezia” no italiano). Portanto, temos aí o fato crucial que levaria, anos mais tarde, à escolha de São Marcos como padroeiro.

Desde o tempo das Cruzadas, há mais de mil anos, em plena Idade Média, quando os restos mortais do evangelista São João Marcos, foram levados de Alexandria, no Egito, para a cidade de Veneza, na Itália, lá existe sua famosa basílica com características bizantinas. A própria república que ali se formou, tomou como símbolo o leão que representa seu evangelho e que, em Veneza, ganhou asas devido a uma antiga lenda local. Esta afirma que quando João Marcos, discípulo do apóstolo Simão Pedro, ainda era vivo e pregava a boa nova no norte da Itália, onde mais tarde surgiu a cidade de Veneza, ele teria sido saudado por um anjo que profetizou que ele escreveria o primeiro evangelho. Assim o leão que o representa ganhou asas, que lembram a aparição do anjo para aquele que falou da “voz que clama no deserto” como o rugido do “leão da tribo de Judá”. Dito isso, agora vamos apresentar outro fato que foi determinante para a escolha de São Marcos como padroeiro da primeira paróquia criada no município de Nova Venécia em 1954.

O leão alado de bronze
Este segundo fato está relacionado à vinda de uma escultura em alto relevo de bronze da Itália para Nova Venécia. Uma história que poderia ter sido trágica, mas graças a Deus se tornou cômica. Porém, antes é preciso saber que até 1924, ano da chegada à povoação, dessa escultura que representa o leão alado de São Marcos, símbolo da região do Vêneto e da própria cidade de Veneza, não havia nenhuma igreja, ou melhor, capela como eram chamadas as igrejinhas naqueles tempos, na pequena aglomeração de casas que já possuía o título de vila, mas era popularmente conhecida pelos colonos com o nome de “Barracão”, alusão ao primeiro alojamento dos imigrantes aqui chegados em fins do século XIX.

No estado de Santa Catarina, bem distante daqui, em 1891, iniciou-se a colonização do que hoje é a cidade de Nova Veneza. Na década de 1920, Nova Veneza estava construindo uma nova igreja para servir de matriz e um Inspetor das Escolas Italianas das Colônias no Sul de Santa Catarina nomeado pelo governo da Itália chamado Cesare Tibaldeschi, solicitou ao governo italiano, já dominado pelo Fascismo de Mussolini, que enviasse uma escultura do leão alado de São Marcos, a fim de que a mesma fosse fixada na fachada da nova igreja. A encomenda foi enviada por meio do navio “Itália” equipado com uma exposição que apresentava as belezas e glórias da velha península. Dentro de uma caixa de madeira forrada com veludo vermelho vinha o “presente” para os colonos há muito emigrados. E o navio vinha margeando o litoral brasileiro e parando nos portos do norte-nordeste até que chegou ao porto de Vitória e houve a confusão.

Conta-se que, dentre outros, encontrava-se na capital, o Sr. Eleosippo Rodrigues da Cunha, fazendeiro de grande poder político na região e, à época, vereador na Câmara de São Mateus e que, quando este viu o leão e a informação do seu destino, provavelmente “Nuova Venezia – America del Sud”, ou seja, Nova Veneza – América do Sul, teria afirmado que esta ficava no Espírito Santo a oeste de São Mateus, para onde então a escultura foi levada e recebida com muita festa, certamente, no dia 25 de abril de 1924, sendo essa a primeira vez que celebramos aquele que seria o nosso futuro padroeiro. O redator do jornal Diário da Manhã na edição de 08 de Abril, da qual reproduzimos pequeno trecho no início, descreveu de forma poética e apaixonada o recebimento da escultura como uma “dádiva” italiana.

Nesta época estava em construção a hoje extinta “Estrada de Ferro São Matheus”, que já havia levado trilhos até um pouco além da localidade do Km 41, atualmente conhecida como Nestor Gomes, e foi por esta ferrovia que o leão alado chegou. Como a ferrovia ainda não estava concluída, um grupo de homens foi solicitado com uma junta de bois puxando uma zorra (estrutura de madeira) para buscar a escultura no fim dos trilhos e trazê-la para a vila nascente.

A festa foi realizada em um terreiro de café localizado onde atualmente se encontra um posto de combustível, na Avenida Vitória, em frente à Câmara de Vereadores e à Delegacia de Polícia. Os antigos diziam que foi uma grande festa onde se celebrou missa e houve até fogos de artifício. Os pobres imigrantes por um momento acreditaram que o governo italiano havia se lembrado deles. Diziam que “Finalmente a Itália se lembrou de nós!!!”, mas tudo não passou de um grande mal entendido.

Quando os colonos de Santa Catarina souberam que sua encomenda havia sido extraviada, pensaram em vir buscá-la à força. Devido à distância desistiram e solicitaram uma outra que, desta vez chegando sem erro ao seu destino, até hoje se encontra fixada à fachada da matriz de São Marcos de Nova Veneza, naquele estado, sendo idêntica a nossa.

Talvez pudéssemos determinar esta comemoração, ocorrida provavelmente em 25 de abril do ano de 1924, como a primeira festa de São Marcos. Mas ainda não. Não havia a igreja no alto do morro, só o primeiro cemitério público da vila, no lado oeste e, um pouco a sua frente, como que no meio da atual Praça São Marcos, um terreno reservado desde 1910, pelo pároco de São Mateus padre Carlo Regattieri, certamente com a intenção de que ali fosse erguido um templo.

Após os festejos a escultura foi levada para casa do Sr. Tito Rodrigues da Cunha, cuja esposa, Dona Celeste Neves era bastante piedosa e fez com que se rezasse o terço quase todos os dias em que a escultura ali permaneceu. Esta casa ficava na altura do morro no final (ou início) do que hoje é a Rua Eurico Salles. De lá levaram o leão alado, dentro de seu estojo de madeira aveludado na cor vermelha (ou escarlate como quis o redator do Diário da Manhã), para a Capela de Santo Antônio no Córrego da Serra, a única que era próxima da povoação. Isso porque as outras eram bem mais distantes, como a Capela de Nossa Senhora Auxiliadora do Rio Preto (fundada em 1892), a Capela de Nossa Senhora dos Anjos do Córrego da Boa Esperança (fundada em 1910), a Capela de São Roque do Pip-Nuk (fundada em 1908) e a de São Sebastião do Pip-Nuk (fundada em 1917) que por essa época também já existiam.

A capela de Santo Antônio
Há alguns quilômetros da povoação, na “Seção Córrego da Serra”, devido à devoção de um imigrante vindo com a família da província de Verona, na região do Vêneto, chamado Angelo Piombin, surgiu um oratório (Capitello) por volta de 1898, dedicado a Santo Antônio de Pádova.

Anos mais tarde, já na década de 1920, os Piombin haviam voltado para a Itália e um baiano chamado Claudiano Rodrigues do Nascimento, que adquiriu o lote daquela família, transferiu o oratório, reconstruindo-o no local onde hoje se encontra a igreja de Santo Antônio, nova edificação maior que o Capitello do Piombin (que só cabia uma pessoa dentro), mas ainda de dimensões modestas e feita de esteios de madeira. Esta foi a primeira capela que surgiu próxima ao que hoje é a cidade de Nova Venécia. Na capela de Santo Antônio do Córrego da Serra permaneceu a escultura do leão alado por alguns anos.

A capela de Nosso Senhor do Bonfim
Em 1932, um pernambucano chamado Guilherme Pereira Lima, por devoção, após ter se perdido em uma mata, construiu a primeira capela dentro dos limites do que viria a ser a área urbana da vila de Nova Venécia, com o auxílio financeiro do cearense Sabino Lima. Era dedicada ao Nosso Senhor do Bonfim, e se localizava onde hoje está a Escola Municipal de Ensino Fundamental Maria Rodrigues Leite, próxima a garagem da Viação Águia Branca. Nesta época a escultura do Leão foi trazida, provavelmente em procissão e como muito respeito para a modesta capela do Bonfim, onde também permaneceria por alguns anos, até um fato muito importante acontecer: a construção da primeira igreja de São Marcos em fins da década de 1930, sobre a qual falaremos no próximo texto.

Mas antes é preciso destacar que a influência nordestina na vila de Nova Venécia era bem grande, a ponto de que o primeiro templo católico que surgiu na cidade fosse uma devoção muito presente nessa região do Brasil. Não seria exagero afirmar que, caso o lugar já não fosse conhecido por Nova Venécia e, em 1924, a escultura em alto-relevo de bronze com o leão alado de São Marcos não tivesse, erroneamente, vindo parar aqui, é possível que a mais antiga paróquia de Nova Venécia tivesse como padroeiro Nosso Senhor do Bonfim e não São Marcos Evangelista como é hoje.

* Izabel Maria da Penha Piva é mestra em História pela UFES e professora de História na rede estadual em Nova Venécia.

** Rogério Frigerio Piva é graduado em História pela UFES, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo (IHGES) e professor de História na rede municipal em Nova Venécia.

Fontes Documentais:
· Diário da Manhã. Victoria. Ano XVIII, Nº 1955, 08/04/1924, páginas: 1-2. – Hemeroteca Digital Brasileira – Biblioteca Nacional (RJ).
· Relatos de Antigos moradores coletados entre 1992 e 2021 por um dos autores deste texto.

Fontes Bibliográficas:
BALDESSAR, Mons. Quinto Davide. Imigrantes sua história, costumes e tradições: o processo de colonização no sul do estado de Santa Catarina. [Brasília]: Edição do Autor, 1991.
FURBETTA, Pe. Carlos. História da Paróquia de Nova Venécia. Nova Venécia: Edição do Autor, [1982].
PIVA, Izabel M. da P. e PIVA, Rogério F. À Sombra do Elefante: a Área de Proteção Ambiental da Pedra do Elefante com guardiã da História e Cultura de Nova Venécia (ES). Nova Venécia: Edição dos Autores, 2014.
PIVA, Rogério Frigerio. Da Colonização à Emancipação: uma breve história de Nova Venécia (1870-1953). In: Patrimônio Fotográfico: catálogo de fotografias do município de Nova Venécia. Nova Venécia: AARQES, 2019. p. 12-31. Disponível para Download em: https://drive.google.com/file/d/1qLWTePp-vscIwdOmrRdXdcx8J8q7O93v/view

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