Por Izabel Maria da Penha Piva* e Rogério Frigerio Piva**
“Meu senhor, dono da casa, acordai se estais dormindo
Venha ver a estrela d’alva que bonita está saindo.(…)
Vimos lhe cantar os Reis e também lhe visitar
Ó de casa, casa santa onde Deus veio habitar”.
A Folia de Reis é folguedo típico da cultura popular brasileira. De origem européia, provavelmente chegou ao Brasil durante o período colonial, junto com portugueses que, entre a data de 24 de dezembro e 06 de janeiro, se juntavam em grupos e, batendo de porta em porta, anunciavam o nascimento do Menino Jesus. Esta anunciação envolvia muita cantoria, comida e dança. Um festejo extremamente popular, organizado de maneira simplória e ao mesmo tempo, repleto de delicadezas que se espalham nos versinhos dos cantos, nas roupas brilhantes, fantasias extravagantes e chapéus coloridos enfeitados de forma singular e, principalmente na alegria do povo ao festejar o Natal em comunidade, cantando e repartindo o alimento junto aos seus.
A tradição religiosa nos afirma que os três reis magos Baltazar, Gaspar e Belquior (ou Melquior) visitaram o Menino Deus levando presentes: ouro, incenso e mirra, representando a realeza, a divindade e a imortalidade do recém-nascido. A Folia de Reis encerra um ciclo de festejos sagrados e profanos que envolvem a mística natalina. No Brasil, por exemplo, é tradição guardar os enfeites de Natal neste dia.
Os foliões formam grupos fantasiados que representam um embaixador, também chamado de mestre, e um contramestre – responsáveis por organizar a festa, palhaços – que com suas brincadeiras animam o cortejo, alferes – que tem a honra de levar a bandeira, animais e principalmente os reis magos. Em coro, saem às ruas cantando e tocando instrumentos como pandeiros, violas, acordeões, sanfonas, gaitas, reco-reco, etc. O grande destaque do grupo é sua bandeira ou estandarte, que traz com orgulho o nome da folia e às vezes também seu lema.
No início da Folia mulheres não participavam, apenas acompanhavam o grupo. Os foliões diziam que elas não foram visitar o menino-Deus, mas apenas pastores e os reis. Hoje temos até grupos de Folia de Reis formado apenas por mulheres. Renato Pacheco e Luiz Guilherme Santos Neves, em seu “Índice do Folclore Capixaba” destacam que “no Espírito Santo é notável a participação feminina nas folias folclóricas, às vezes superando a presença masculina”. O mais comum nos dias atuais são grupos heterogêneos que distribuem alegria durante o Natal de Jesus. Não há dúvidas que em todo o Brasil brincam-se os reis, mas no Nordeste essa expressão ganha força maior.
Também foram agregadas figuras do folguedo de “Reis de Boi”, como o Boi, o Pai Francisco, dentre outros, que fazem sua aparição antes dos reis. Porém o grande folclorista capixaba Hermógenes Lima Fonseca destacava que “a diferença (da folia de reis) com o reis-de-boi do norte do Espírito Santo e extremo sul da Bahia é que a folia de reis não tem o boi e a bicharada. A característica da folia são os palhaços que saracoteiam à frente dos foliões”. Os historiadores acreditam ser o Boi (que guarda relação com o Bumba Meu Boi) a influência nordestina nesta festa popular, devido à cultura pecuária naquela região.
No Vale do Cricaré, em especial na região de São Mateus, a Folia de Reis provavelmente pode ter sido introduzida por luso-brasileiros ainda no século XVIII, por se tratar de uma tradição popular mantida pela oralidade, é difícil estabelecer um início dessa festa com precisão por aqui. Contudo, é certo que no século XIX tanto a Folia de Reis, o Reis de Boi e outros folguedos como a Marujada, Baile de Congos e o Alardo já eram comuns em nosso vale. O pesquisador Maciel de Aguiar afirma que a “Brincadeira de Boi” (semelhante ao Reis de Boi e ao Baile de Congo) e que está extinta a mais de meio século “foi um dos folguedos que mais despertaram interesse dos remanescentes de escravos e quilombolas que habitam o vasto sertão de São Mateus e Conceição da Barra (…)”.
Já no território que hoje faz parte do município de Nova Venécia nossos ainda insipientes levantamentos nos dão conta que a Folia de Reis, ou mesmo o Reis de Boi, teve início no vale do Córrego da Boa Esperança nos primeiros anos do século XX entre migrantes cearenses, dentre os quais um senhor conhecido como Manoelzinho, além de membros das famílias Galvão e Oliveira. Também o Sr. João do Santíssimo (conhecido por João Caetano), hoje morador do bairro Aeroporto, que por anos participou da folia, destaca a importância de seu pai, que saída da região da Fazenda Concórdia para participar da folia junto dos cearenses. Com a migração das famílias do Córrego da Boa Esperança para o vale da Água Preta, a Folia de Reis foi introduzida naquela região. O Sr. João Frigerio, de 97 anos, afirma que no início da década de 1930 seus pais, o imigrante italiano Giovanni Emilio Frisiero (Frigerio) e a filha de migrantes cearenses Conceição Firmino da Costa, recebiam em sua residência (no Baixo Pip-Nuk próximo a Barra do Córrego da Boa Esperança) os foliões como muita polenta, queijo e leite.
Essa tradição foi mantida durante décadas e, mesmo com todas as dificuldades, chegou aos nossos dias onde podemos encontrar três grupos de folia ativos em nossa cidade. A Folia de Reis “Santos Reis”, liderada pelo Mestre Antônio Oliveira, trás elementos do Reis de Boi e se apresenta como herdeira da tradição da Folia da Água Preta. Já a Folia de Reis “Sois Reis”, liderada pelo Mestre Anízio Antunes que, tendo migrado há décadas para o interior de Nova Venécia vindo da Bahia com a sua família, ao se estabelecer no bairro Rúbia, continuou a manter viva essa tradição também herdada de seus pais. Nesta folia temos o palhaço e outros personagens. Por fim, em 2010 surgiu a Folia de Reis “Estrela Nosso Senhor do Bonfim” que tem a frente a Mestra Marilda Silvares Santos e surgiu no seio da Comunidade Nosso Senhor do Bonfim com foco em resgatar a espiritualidade do povo por meio da cultura popular. Nesta folia não há a presença do palhaço, do boi e de outras personagens destacando-se somente a cantoria acompanhada de algum instrumento como o violão ou o acordeon.
Neste tempo de Pandemia onde a visita as casas e as comunidades estão prejudicadas, destacamos as “Lives” possibilitadas pela Lei Audir Blanc por meio da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo de Nova Venécia, em dezembro de 2020, que permitiram que as Folias e os Mestres fossem apresentados e que houvesse um registro audiovisual dessas manifestações do Patrimônio Cultural Imaterial de nossa cidade. É fundamental que as Políticas Públicas para a Cultura possibilitem não somente o registro, mas a difusão e estímulo as novas gerações para preservação deste folguedo popular, ponto de união entre o sagrado e o profano e que preenche de brasilidade os festejos do ciclo natalino.
* Izabel Maria da Penha Piva é mestra em História pela UFES e professora de História na rede estadual em Nova Venécia.
** Rogério Frigerio Piva é graduado em História pela UFES, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo e professor de História na rede municipal em Nova Venécia.
Fontes Bibliográficas:
– AGUIAR, Maciel de. A Brincadeira de Boi. (História dos Quilombolas; v. 40). São Mateus: Memorial, 2007.
– DIANA, Daniela. Folia de Reis. Disponível em: https://www.todamateria.com.br/folia-de-reis/. Acesso em: 04 jan 2021.
– NEVES, Luiz G. Santos e PACHECO, Renato. Índice do Folclore Capixaba. Vitória: Banestes S/A, 1994.