Sem receber nada em troca, sem livros e nenhum material didático, dona Cecília tem o mesmo sonho de seus alunos: ver cada um deles alfabetizado
As vogais penduradas em um varal foram impressas em uma papelaria. O quadro é da igreja, que cedeu o local para as aulas. O apagador, foi um presente que ganhou da amiga Ingrid Wutke da Costa. São apenas estes itens que a aposentada Cecília Maria Litg Rageteles, 60 anos, utiliza para tentar alfabetizar alunos acima dos 45 anos.
As aulas têm apenas uma semana de funcionamento, e para reunir os estudantes, dona Cecília foi a casa de um por um, convencê-los a voltar a estudar e aprender a ler. O resultado poderia ser diferente, mas foi totalmente positivo. A moradora de Vila Pavão, mesmo não sendo professora e tendo apenas o ensino médio, se propôs a realizar o sonho dos amigos, e de quebra, o dela também. “Estou me sentindo realizada podendo ensinar a quem está com sede de aprender, parece que estou sonhando, ainda não estou acreditando no que está acontecendo”, fala.
Sem nenhum compromisso e apenas por querer ajudar, a aposentada conseguiu o que muita gente não havia conseguido, que é conquistar a confiança dos amigos e novos alunos. A vergonha de ser analfabeto ainda é um impedimento para adquirir conhecimento, principalmente para pessoas acima de mais idade, que é o caso dos alunos da Cecília. “Não sou professora e aviso que, não há nenhum documento que oficialize este curso, o que estou fazendo é apenas o que meu coração está mandando, só quero ajudar”, conta.
As aulas têm duração de uma hora e começam todos os dias as 18 horas, na Igreja Batista Esperança. Foi o pastor quem cedeu o espaço. Sem um livro, sem cartilha, sem nenhum material didático, a Cecília chega na sala e vai ensinando as vogais para os oito alunos. A descoberta das letras, parece já ter surtido efeito e a “professora”, diz ver o brilho no olhar de cada um. “Teve gente que já me disse que vai doar cartilha e materiais, se isso acontecer, será melhor ainda. Estou aqui sem finalidade de nada, apenas de ensinar e fazer o bem. Não tenho um livro, só tenho vontade de alfabetizar, de levar conhecimento até eles”, diz.
De acordo com dona Cecília, a primeira expectativa em sala de aula é escrever o próprio nome, já outros, querem ler Bíblia. A aluna com maior idade tem 75 anos. Quando perguntado qual o próximo passo da moradora de Vila Pavão, ela é categórica. “Quero cursar o ensino superior em serviço social, já não sou nova, mas dizem que para aprender não tem idade”.

Ensino médio aos 58 anos
Contradizendo a vida de muita gente com a história parecida com a dela, dona Cecília, preferiu fazer tudo diferente. Servindo cafezinho e limpando o chão por 23 anos, a auxiliar de serviços gerais, mesmo sendo efetiva em um cargo público na prefeitura pavoense, decidiu aos 50 anos, a voltar a estudar. Foi então que terminou o ensino fundamental. Depois disso, veio a oportunidade de terminar o ensino médio, aos 58 anos.
“Eu sempre quis estudar, mas meu pai não deixava, a gente tinha que trabalhar na roça. Comecei cedo no campo, aos sete anos de idade. Minha vida se resumiu em muitas dificuldades quando criança, não tive oportunidade”, fala.
Casada, mãe de três filhos já independentes, dona Cecília relata que, como ela havia voltado para a escola depois dos 50 anos, a oportunidade poderia servir para outras pessoas também. A vontade de ajudar e alfabetizar os conhecidos, sempre rondava a sua mente, até que deu certo. “Eu sinto cada um deles radiante com as pequenas conquistas, acho que ainda vamos longe juntos. Minha história é parecida com a deles, a gente se entende”, descreve.
Vindo de uma família humilde de oito irmãos e com apenas uma ter podido estudar, dona Cecília viu sua vida transformada através dos livros, e no quadro, vai tentando mudar o rumo de seus poucos alunos, que têm na frente, o exemplo da amiga, incentivadora e agora professora.
Para quem quiser doar algum material ou livro para as aulas da dona Cecília, ligar para o telefone 99998-9229 ou deixar no Jornal A Notícia.

