O Ministério Público (MPES) por meio da Promotoria de Justiça de Montanha, no Norte do Espírito Santo, teve um primeiro pedido de prisão dos suspeitos de matar um vizinho negado pela Justiça, e após isso, ofertou a denúncia em que desentranhou dois depoimentos da defesa colhidos no inquérito policial no caso da execução a tiros e facadas do jovem Flávio Haime Souza, de 20 anos, na noite do dia 2 de abril, durante uma confusão por causa de som alto e rojão (artefato pirotécnico), no Centro de Montanha, no Norte do Espírito Santo. A informação foi apurada pela reportagem com acesso aos autos do processo. Os suspeitos Itamar Pereira da Silva, de 55 anos, e Daniel Vieira da Silva, de 31, pai e filho, eram vizinhos da vítima. Eles são considerados foragidos.
Segundo apuração da Rede Notícia, o MPES fez uma representação requerendo a prisão preventiva de Itamar Pereira da Silva e Daniel Vieira da Silva, mas o juiz Diego Franco de Sant’anna negou. A decisão é do dia 11 de abril. O magistrado considerou que o requerimento apresentado pelo MP sem a denúncia, ‘violava o devido processo legal, nas suas vertentes do sistema acusatório, ampla defesa e contraditório’, e adverte: “Se o Ministério Público assegura a existência dos elementos necessários (prova de materialidade e indícios de autoria) para o pedido de prisão preventiva, há de haver incídios mais que suficientes para eventual oferecimento de denúncia e subsequente transação penal, razão pela qual não se justifica a decretação da prisão preventiva dos investigados sem que a denúncia seja formalizada”. O juiz indeferiu o pedido, sem prejuízo de nova análise após o oferecimento da denúncia.
Após isso, segundo nossa apuração, o promotor de Justiça de Montanha oficiou a Delegacia de Polícia ordenando que o inquérito fosse concluído e encaminhado à ele do jeito que se encontrava. O Código de Processo Penal (CPP) estabelece prazo de 30 dias para conclusão do inquérito policial nos casos de suspeitos soltos.
Na sexta-feira (12), cerca de 24 horas após ter o requerimento de prisão negado pela Justiça o MPES protocolou a denúncia contra os suspeitos. Em nova decisão a que a Rede Notícia teve acesso, assinada segunda-feira (15), o juiz Diego Franco de Sant’anna ao acolher a denúncia do Ministério Público (MPES) tornou réus os suspeitos. O magistrado destaca não vislumbrar causa de extinção de punibilidade, “tampouco causas justificativa (que excluam o crime) ou isentem de pena”. O juiz deu prazo de 10 dias para que a defesa dos réus apresente resposta à acusação.
Ainda na decisão em que manda prender os acusados, o juiz aponta haver indícios suficientes de autoria e suspeita fundada de que os indiciados são os autores do crime, e que a prisão é necessária a fim de assegurar a ordem pública, econômica, conveniência da instrução criminal e para assegurar a aplicação da lei penal. Cita também o artigo 313 do Código de Processo Penal (CPP) que assegura nos casos de prática de crime dolosos com pena privativa de liberdade superior a 4 anos, a aplicação da prisão preventiva. O juiz também sustenta parte da investigação que aponta que os réus buscaram fugir do chamado “distrito de culpa”, e aponta que os réus fugiram da cidade, e possivelmente, do estado.
“Portanto, conclui-se que a conversão da prisão em preventiva mostra-se necessária em razão da periculosidade social dos réus e da gravidade em concreto das condutas”, decidiu o juiz Diego Franco de Sant’anna.
Defesa alega “legítima defesa”
Em nota, o advogado criminalista Arthur Borges Sampaio, que faz a defesa dos réus Itamar Pereira da Silva e Daniel Vieira da Silva, diz que eles agiram “em legítima defesa, diante de uma confusão generalizada, que os expuseram a risco de vida”. O defensor informou que a vítima tentou agredir o réu Daniel, que precisou reagir ante o que chamou de “injusta agressão”.
Segundo a versão do advogado, ao ver o filho no que chamou de “briga generalizada”, o cigano Itamar atirou duas vezes, sendo o primeiro tiro disparado para o alto, o que não cessou o tumulto, não havendo, na versão dele, “intenção de ferir fatalmente a vítima”, e que o filho do cigano (Daniel), deu uma facada na vítima. Segundo o advogado, os réus “não tiveram intenção de executar a vítima”, pois a arma tinha um total de 15 tiros, e nas palavras dele “só foram disparados dois”, o que justificaria a ausência de intenção dos acusados.
“É primordial destacar que o Ministério Público dispensou o inquérito policial com a sanha acusatória de prejudicar os réus, pois havia diligências a se fazer, ouvir testemunhas, em total tratoraço a ordem processual”, alega o advogado. Segundo a defesa, “os réus não se furtaram à Justiça” e iriam se apresentar na próxima quinta-feira (18). A defesa não informou quando os suspeitos vão se apresentar para cumprir a ordem de prisão. O advogado disse ainda que vai interpor recurso a fim de revogar o mandado de prisão preventiva.
Por fim, a nota da defesa diz que os suspeitos não preenchem os requisitos para decretação da prisão preventiva, pois são réus primários, possuem endereço fixo, trabalho lícito, e que o MPES embasou o pedido de prisão “apenas com base no clamor público”, e parafraseou uma jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), que diz que a gravidade, repercussão do crime ou clamor social não são justificativas legais para a prisão preventiva. Finalizou dizendo que “a defesa será combativa para assegurar a legalidade processual”.
Sobre a atuação do Ministério Público (MPES), o advogado Arthur Sampaio disse nesta quarta-feira (17), que a conduta do promotor de Justiça da cidade mostra-se em ataque frontal ao princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa, no que chamou de “sanha acusatória em atropelo à Constituição”.
O que diz o MPES
SML cita três facadas e três tiros
Ao contrário do que disse o advogado, o laudo cadavérico do Serviço Médico Legal (SML), acostado na ordem de prisão a que a reportagem teve acesso, aponta que a vítima foi atingida por três facadas que causaram trauma interno que junto com os três disparos de arma de fogo, provocaram a morte da vítima.
Relembre o crime
O jovem Flávio Haime Souza, de 20 anos, foi assassinado a tiros e facadas na noite do dia 2 de abril durante em uma briga com vizinhos, no Centro de Montanha, no Norte do Espírito Santo. O suspeito é Daniel Vieira da Silva, de 31 anos, que teria começado a briga com a vítima. O pai do suspeito, um cigano de 55 anos, teria efetuado os disparos de arma de fogo contra a vítima, enquanto o filho atacou o rapaz a facadas.
Segundo a Polícia Militar, duas mulheres estiveram na sede da PM relatando que estava tendo uma briga generalizada entre seus familiares e alguns vizinhos que estavam realizando uma festa e soltando rojão (artefato pirotécnico), no Centro de Montanha. Ao chegar ao local, uma mulher se aproximou dos policiais e disse que o filho, de 20 anos, havia sido fatalmente ferido durante uma briga com um outro homem, de 31 anos. Testemunhas relataram aos policiais que os dois estavam brigando, quando um terceiro indivíduo, de 55 anos, efetuou disparos contra a vítima. Após ser baleado, o homem correu para o interior da residência, mas foi seguido pelo suspeito de 31 anos, que o feriu com um golpe de faca. A vítima foi socorrida por um popular ao hospital local, mas não resistiu aos ferimentos e veio a óbito. Segundo a PM “buscas foram feitas, mas os dois suspeitos não foram localizados”.