Por Izabel Maria da Penha Piva* e Rogério Frigerio Piva**
(…) “o padre (Zacarias) ali fazia apenas umas reuniõezinhas com umas 10 a 20 pessoas, mas com a persistência do trabalho e o desenvolvimento do lugar, Nova Venécia ficou uma bela paróquia. Fez uma igreja, com a maior dificuldade, pedindo saquinhos de café pelo interior, correndo aquelas roças todas a cavalo, trazendo café, levando para a máquina em São Mateus, mais de 100 léguas de distância, para daí tirar o dinheiro para fazer a igreja, fazer a casa paroquial, onde dormia, ainda sem porta, ficava até com uma coberta por causa do vento.” (MEDEIROS, Rogério. Desbravadores do norte do Espírito Santo: a história de um sacerdote. Jornal A Tribuna, 1974)
O Contestado e a chegada do Padre Zacarias
Em fins da década de 1920 um novo impulso na colonização da região, porém vindo do vizinho estado de Minas Gerais, tornou a região de fronteira entre aquele e o Espírito Santo uma região contestada por ambos. E o município de São Mateus, ao qual o distrito de Nova Venécia pertencia, dominava parte dessa fronteira. Eram territórios então compreendidos no antigo distrito de Nova Venécia (que então abrangia o que hoje são os municípios de Mantenópolis, Barra de São Francisco, Agua Doce do Norte, Ecoporanga e Vila Pavão, só citando a região que era contestada).
Em 1935, o antigo distrito de Nova Venécia perdeu parte do seu território que passou a compor o novo distrito de Barra de São Francisco, criado para assegurar o domínio capixaba na região, então majoritariamente colonizada por mineiros. O bispo Dom Luiz Scortegagna, da Diocese de Vitória do Espírito Santo, a quem pertencia o território da Paróquia de São Mateus, em ação conjunta com governo do Estado, desmembrou a Paróquia de São Mateus, criando a Paróquia de Barra de São Francisco para a qual foi nomeado como vigário o Padre Lauro Zacarias de Oliveira.
Como Barra de São Francisco tinha pouco desenvolvimento, por sugestão do Secretário de Agricultura, Sr. Carlos Lindemberg, o Padre Zacarias, como era mais conhecido, acabou ficando em Nova Venécia, de onde atendia toda a região contestada, aqui chegando por volta de 1936.
A história da Capela de São Marcos
É somente a partir deste fato que podemos falar na capela que se tornou mais tarde a primeira igreja matriz de São Marcos. Segundo entrevista prestada pelo Padre Zacarias ao jornalista Rogério Medeiros em 1974, quando ele chegou à Nova Venécia, a vila tinha por volta de umas 80 casinhas, a maioria baixa e coberta de palhas e poucos foram os que o auxiliaram, contando apenas com umas 10 a 20 pessoas fazendo reuniões, objetivando construir uma igreja.
O local, segundo dizia o saudoso Sr. Zenóbio Libânio Rodrigues, foi determinado pelas fundações de uma capela mandada erguer pela devota Sra. Alzira Cunha, esposa do imigrante italiano Sr. Angelo Barolo. Talvez na época da chegada da escultura do leão de São Marcos. E foi vizinho a estas fundações, em uma casinha ao sul das referidas fundações, que o Padre Zacarias estabeleceu residência e, segundo o próprio contava, esta por muito tempo não teve nem porta, forçando-o a dormir sempre de cobertor para não sentir frio.
Contava-nos ainda o Sr. Zenóbio Rodrigues que o Padre Zacarias, diante da necessidade chegou a tomar um empréstimo de trezentos mil réis com a capela de Santo Antônio para a construção. E, por meio de doações de sacas de café, que às vezes tinham que ser piladas em São Mateus, e com muito sacrifício, entre 1938 e 1942, ergueu-se a primeira igreja dedicada a São Marcos em Nova Venécia, para qual foi levado o leão alado que, há tempos, estava na pequenina capela de Nosso Senhor do Bonfim. Da época da construção (1938-1942) data a antiga escultura de gesso do padroeiro São Marcos, provavelmente adquirida com esforços do Padre Zacarias.
Com a conclusão da obra a vila agora estava dotada de um digno local de culto cristão e que fazia referência ao padroeiro de Veneza na Itália. Segundo o relato do saudoso Padre Carlos Furbetta em sua História da Paróquia de Nova Venécia: “Era uma igreja de modestas dimensões, forma retangular, piso de tacos, forro de friso… Além do altar mor que encurtava bastante o espaço destinado aos fiéis, outro mastodôntico, partindo da parte direita, avançava com seus degraus para o meio da nave…”. E o padre Carlos sabia o que estava descrevendo, pois conheceu pessoalmente a capela, que era simples, mas foi construída com muito esforço e pela liderança do Padre Zacarias, homem que ergueu a mínima estrutura que foi, anos mais tarde, encontrada pelos padres Missionários Combonianos.
O padre Carlos não se preocupou com outros detalhes, como dizer que a fachada principal possuía uma grande porta almofadada com verga em arco pleno e que o nosso leão fora primitivamente fixado na fachada acima da porta, ainda dentro da caixa de madeira na qual foi recebido. Acima da escultura em relevo do leão alado, ficavam três janelas, com bandeira envidraçada, com folhas meio venezianas, meio vidro, também em arco pleno e que a fachada terminava em platibanda com detalhes arqueados e uma única torre sineira acima da área do coro que, como de costume, ficava no fundo da nave da igreja. Esta torre, dotada de quatro pequenas janelas, tinha cobertura triangular de cimento, enquanto que o corpo da igreja era coberto com duas águas de telha cerâmica. Nas laterais, tanto do lado norte quanto do lado sul havia, uma porta almofadada em arco pleno encimada com três janelas.
O altar mor era finalizado com uma moldura triangular, possuindo três nichos também com acabamento triangular: o principal no centro com a escultura de gesso do padroeiro São Marcos, e do lado esquerdo com uma escultura de gesso de Santa Terezinha e o direito com escultura de gesso de São Benedito. Nas paredes laterais também havia pequenos quadros com moldura de madeira retratando a via sacra e que, segundo o saudoso Sr. Luiz Merlin, foram doados para a Comunidade Nossa Senhora d’Ajuda, no Córrego da Areia.

A capela sem o Padre Zacarias: Os “fabriqueiros”
Em 1948 o padre Zacarias finalmente segue para seu destino original, a cidade de Barra de São Francisco, que já era município independente de São Mateus desde o final de 1943. Mais uma vez, não tínhamos padre. Por esta época, contemporaneamente ao Padre Zacarias, a Paróquia de São Mateus tinha como vigário o Padre Guilherme Schmitz que, com a saída do padre Zacarias, passa a atender a capela de São Marcos, vindo de São Mateus. No início da década de 1950 são “fabriqueiros” (nome com o qual eram conhecidos os membros da diretoria das antigas capelas) os senhores: Antônio Daher, Tito dos Santos Neves, Jacintho Rodrigues Motta, Antenor Nardotto, dentre outros. Esses “fabriqueiros” eram responsáveis por cuidar das rendas da capela, bem como das alfaias, paramentos e da administração interna da capela e sua conservação.
Nessa época era tradicional a Festa do Padroeiro São Marcos, iniciada pelo Padre Zacarias de Oliveira para construção da capela, e que era sempre realizada na Praça São Marcos, hoje mais conhecida como Praça da Matriz, com suas barraquinhas feitas de madeira, cobertas com folhas de palmeiras e enfeitadas com bandeirolas. A festa contava com a participação do povo de toda a região.
Ainda um pouco distante da renovação litúrgica trazida pelo Concílio Vaticano II, mas com muito ardor, os fiéis se reunião ocasionalmente para a reza do terço, ladainhas e celebrar a Santa Missa quando o padre vinha de São Mateus. Também faziam procissões, muitas vezes pedindo a Deus que lhes mandasse chuva. Irmandades como o Apostolado da Oração, fundado pela Sra. Dora Pereira Lima entre 1941-1942, época em que se estava executando a construção da capela, e que reforçava a devoção ao Sagrado Coração de Jesus, também se faziam presentes.
Em 1952 verificou-se ainda a vinda de Missionários Franciscanos que, ao pregar as santas missões, aumentavam o fervor da fé no povo veneciano. Nesta época, defronte à capela é fincado um cruzeiro de madeira em plena praça, como marco simbólico das Missões em Nova Venécia.
De Capela à Igreja Matriz: A criação da paróquia e os padres Missionários Combonianos
No início da década de 1950 a Capela de São Marcos, bem como todas as outras da região faziam parte da Paróquia de São Mateus que era vinculada a Diocese do Espírito Santo, com sede em Vitória. O bispo nesse tempo era Dom José Joaquim Gonçalves. Como já foi dito, o Vigário Paroquial era o Padre Guilherme Schmitz, de nacionalidade alemã e que havia assumido essa função em dezembro de 1937. Após a saída do Padre Lauro Zacarias de Oliveira para Barra de São Francisco, era ele que, periodicamente, visitava as capelas da região, incluindo a de São Marcos.
Em 1954, acontece um fato novo, o bispo desmembra a paróquia de São Mateus criando assim a Paróquia de Nova Venécia. Para administrá-la convida os “Filhos do Sagrado Coração de Jesus”, mais conhecidos como Missionários Combonianos, nome em referência ao antigo fundador da ordem, Dom Daniel Comboni.
O padre comboniano Rino Carlesi, torna-se encarregado dos preparativos para o ato solene que instalou a nova Paróquia de Nova Venécia, em 07 de Março de 1954, dando posse ao primeiro Vigário Paroquial, o também comboniano Padre Angelo Dell’Oro, italiano, natural da província de Milão, norte da Itália. Era seu coadjuntor o Padre José Dalvit, que mais tarde se tornou o primeiro bispo da Diocese de São Mateus.
Neste ato deu-se a mudança de condição da antiga Capela de São Marcos que a partir de então se tornou a Igreja Matriz da nova paróquia. Segundo o Padre Carlos Furbetta: “A multidão entupiu a Praça São Marcos para a Missa campal solene. O altar estava montado em frente à porta da matriz. Celebrante foi o Pe. Ângelo, assistido pelos padres Rino e José, diácono e subdiácono. O Pe. Carlos Furbetta fez o discurso.”
Neste mesmo ano a agora Igreja Matriz de São Marcos, sofre a primeira reforma, pois, conforme Padre Carlos “(…) a matriz já se tornara pequena. Em novembro [1954] derrubaram-lhe a parede atrás do altar mor e prolongaram-na num presbitério de 8 metros de fundo por 5 metros de largura, com duas sacristias: uma de cada lado… Além da reforma geral: troca do forro de friso por um de estuque, pintura nova das paredes, ovais com raios multicores a emoldurarem a imagem central do padroeiro e as duas dos altares laterais. E, última emblemática, na grande viga que separava o presbitério da nave, a pintura de um grande pergaminho com a escrita: IGNEN VENI MITERE (Lucas 12,49): Vim trazer o fogo…” (Furbetta, 1982, p. 20) Esta reforma terminou em meados de 1955.
Em estatística feita durante o ano de 1954 pelos padres, a população da cidade foi calculada em 1.498 pessoas (com umas 254 famílias) do total de mais de 28.000 pessoas de toda a paróquia. Exatamente no seu primeiro ano como município independente de São Mateus.
Em 04 de Agosto de 1955, por Decreto de nomeação o bispo Dom José Joaquim Gonçalves nomeou uma nova Diretoria “por dificuldade de colaboração com a velha” contendo: “Radagásio Teixeira, fabriqueiro; José Rossoni, tesoureiro; Zenóbio Rodrigues, Miguel Salvador e Floriano Barnabé, secretários…”.
Em fins de 1956 termina o governo do nosso primeiro vigário Padre Angelo Dell’Oro que deixa a paróquia a cargo do Padre Rino Carlesi, Superior Regional dos Combonianos. Este, durante oito meses fica no comando da paróquia até que o Padre Vito Milesi fosse nomeado vigário, a pedido de Padre Rino, em Junho de 1957.
Em 1959 foi nomeado bispo de São Mateus, Dom José Dalvit, criando assim a nova diocese a qual fica vinculada a Paróquia de São Marcos de Nova Venécia. Infelizmente, em abril de 1962, após o término da Festa do Padroeiro, foi realizado um mutirão para a demolição da velha matriz, esta que durou pouco mais de 20 anos e foi construída com os esforços do Padre Zacarias. Desde 1960 a segunda e atual igreja matriz, começava a ser erguida no espaço atrás da antiga. Mas isso já é outra história.
* Izabel Maria da Penha Piva é mestra em História pela UFES e professora de História na rede estadual em Nova Venécia.
** Rogério Frigerio Piva é graduado em História pela UFES, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo (IHGES) e professor de História na rede municipal em Nova Venécia.
Fontes Documentais:
· Relatos de Antigos moradores coletados entre 1992 e 2021 por um dos autores deste texto.
Fontes Bibliográficas:
FURBETTA, Pe. Carlos. História da Paróquia de Nova Venécia. Nova Venécia: Edição do Autor, [1982].
MEDEIROS, Rogério. Desbravadores do norte do Espírito Santo: a história de um sacerdote. In: A Tribuna, 1974.
PIVA, Izabel M. da P. e PIVA, Rogério F. À Sombra do Elefante: a Área de Proteção Ambiental da Pedra do Elefante com guardiã da História e Cultura de Nova Venécia (ES). Nova Venécia: Edição dos Autores, 2014.
PIVA, Rogério Frigerio. Da Colonização à Emancipação: uma breve história de Nova Venécia (1870-1953). In: Patrimônio Fotográfico: catálogo de fotografias do município de Nova Venécia. Nova Venécia: AARQES, 2019. p. 12-31. Disponível para Download em: https://drive.google.com/file/d/1qLWTePp-vscIwdOmrRdXdcx8J8q7O93v/view