Por Izabel Maria da Penha Piva* e Rogério Frigerio Piva**
Em 28 de agosto de 1953, na Câmara Municipal de São Mateus (onde hoje se localiza o Museu de São Mateus), às dezenove e trinta horas teve início a sessão número 153 presidida pelo vereador Antônio de Carvalho, da qual além do citado vereador, estavam presentes os vereadores Dacilio Duarte Santos, Flauzino Bello Casimiro (vereador por Guararema), Tito dos Santos Neves, Antenor Nardotto (suplente substituindo Domingos de Oliveira Rios que estava de licença), Antônio Daher, Nicanor Motta, José Daher e Albino Negris. Após as formalidades regimentais seguiu-se o pedido de suplementação proposto pelo prefeito e, logo em seguida, o vereador Dacílio Duarte Santos pediu a palavra e entregou “um abaixo-assinado dos moradores de Nova Venécia, os quais requerem a emancipação do Município de Nova Venécia” que segundo consta reuniu mais de 200 assinaturas, um bom montante num momento da história em que a maioria absoluta da população era analfabeta.
O vereador Dacílio, solicitou ainda regime de urgência para matéria. Tito dos Santos Neves relatava que no instante da apresentação do abaixo-assinado o vereador Nicanor Motta fez um escândalo falando grosso e alto e Tito teria se levantado, batendo a mão na mesa e iniciado um bate boca com ele. Os ânimos foram se agitando. Tendo em seguida o vereador Albino Negris pedido a palavra para solicitar ao presidente que submetesse ao plenário o requerimento verbal do vereador Dacílio, este foi aprovado por cinco votos a favor e três contra. Os três eram exatamente Albino Negris, Nicanor Motta e José Daher.
Segundo Tito dos Santos Neves esses vereadores se sentiram enganados pelo prefeito e se retiraram da sessão para “queimar a lei”, na intensão de que não houvesse quórum para vota-la. Porém segundo Tito, a lei (provavelmente o regimento interno) assegurava que os vereadores que permaneceram no recinto poderiam aprová-la. Como a energia elétrica era fornecida por um motor a vapor que ficava no porto, na parte baixa da cidade, e era desligada por volta das 22:00hs, o presidente mandou pedir ao encarregado da luz que a mantivesse funcionando até que findasse a sessão. O vereador Nicanor Motta, que a principio era um dos três contrários a lei e que havia se retirado da sessão, ficou nas proximidades do Fórum observando o movimento e indagou o funcionário que levava a mensagem ao encarregado da energia. Este o informou que os “homens tão lá votando a lei”.

Diante da situação os três vereadores se reuniram e chamaram mais 28 homens, todos armados e partiram para o prédio da câmara com o objetivo de “queimar a lei”, ou seja, impedir que ela fosse votada. Tito dos Santos Neves relatava que “aquilo lá teve na hora de morrer muita gente”. Felizmente quando os vereadores que se opunham adentraram a Câmara, acompanhados dos 28 homens armados, antes que uma verdadeira guerra se iniciasse, pediram para ver a lei e neste momento ela já estava pronta. Então perceberam que a mesma não entrava na questão dos limites territoriais que seriam vistos posteriormente.
Segundo Tito o primeiro a ver a lei foi Albino Negris que teria afirmado: “Mas rapaz, isto aqui! Eu também tô de acordo com isso!” Então ele teria pegado a folha, colocado na mesa e assinado, e os outros dois fizeram o mesmo. No que a tensão foi aos poucos se dissipando e o “mal entendido” foi resolvido de forma pacífica.
Estava assim aprovada a Lei Municipal nº 329 de 28 de Agosto de 1953, criando o Município de Nova Venécia. Era um grande passo sem o qual a emancipação não teria se realizado, não naquele momento, pelo menos. As discussões ainda continuaram nos meses seguintes com relação aos limites com São Mateus.
Segundo Tito, Nova Venécia teve que aceitar os limites propostos, pois haviam recebido recado do governador Jones dos Santos Neves para fazê-lo. Caso contrário ele não sancionaria a lei. Foi nesse momento que nosso limite ficou no Rio Preto e numa linha imaginária entre a barra deste, no Rio Cricaré, e a Cachoeira da Japira no Rio Cotaxé. O território de Nestor Gomes, que sempre havia pertencido ao distrito de Nova Venécia até este ser criado em 1949, ficou de fora, mesmo sobre protestos do Sr. Salvador Cardoso. Essa situação teria sido influenciada pelo vereador mateense José Daher que, segundo se diz, tinha terras na região e não queria que parte delas ficasse no novo município.
Com a aceitação dos limites por parte de Nova Venécia, todos os trâmites burocráticos foram seguidos no Governo do Estado e na Assembleia Legislativa. A Lei Estadual Nº 767 de 11 de Dezembro de 1953, publicada no Diário Oficial do Estado do Espírito Santo em 20 de Dezembro daquele ano, ratificou a lei municipal nº 329 e emancipou Nova Venécia, sendo para todos os efeitos o dia 20 de Dezembro de 1953 o dia que consolidou a nossa emancipação política. Ou seja, há 67 anos, um mês e seis dias. Mas sem o dia 28 de Agosto de 1953, isso não teria sido possível.
26 de Janeiro de 1954: Dia da “Instalação” de Nova Venécia
* Izabel Maria da Penha Piva é mestra em História pela UFES e professora de História na rede estadual em Nova Venécia.
** Rogério Frigerio Piva é graduado em História pela UFES, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo (IHGES) e professor de História na rede municipal em Nova Venécia.
Fontes Documentais:
Entrevista concedida por Tito Santos Neves em sua residência no Bairro Margareth no ano de 1985 sobre diversos aspectos da sua vida política em Nova Venécia aos integrantes do Movimento Cultural de Nova Venécia.
Ata Nº 153 da Sessão Extraordinária realizada no dia 28 de Agosto de 1953 na Câmara Municipal de São Mateus às 19:30 horas sob a Presidência do Sr. Antônio de Carvalho. Arquivo da Câmara de Vereadores de São Mateus (ES).
Lei Estadual Nº 65 de 30 de Dezembro de 1947. Disponível em: http://www3.al.es.gov.br/Arquivo/Documents/legislacao/html/LEI651947.html. Acessado em 20/01/2021.
Lei Municipal de São Mateus Nº 329/53 de 28 de Agosto de 1953 – “Cria o Município de Nova Venécia” (Cópia). Arquivo da Câmara de Vereadores de Nova Venécia (ES).
Processo “Assembléia Legislativa – Encaminhando, por cópia, o ofício que lhe foi dirigido pelo Sr. Presidente da Câmara M. de S. Mateus, a propósito da criação do Município de Nova Venécia.” 17/12/1953. Fundo Governadoria, Série Processos, Ano 1953. Arquivo Público do Estado do Espírito Santo (APEES).
Fontes Bibliográficas:
Jornal “A Tribuna Livre” – órgão da Câmara Municipal de Nova Venécia. Ano I- Nº 01 – Março a Junho de 1988.
Revista “Memória Legislativa” – órgão oficial da Câmara Municipal de Nova Venécia –ES. Ano I- Nº 01 – Abril de 2000.
FURBETTA, Carlos. História da Paróquia de Nova Venécia. Nova Venécia: Paróquia São Marcos, [1982].
GASPARINI, Waldir (agente de estatística). Nova Venécia – ES. In: Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, Volume XXII. Rio de Janeiro: IBGE, 1959. p.126-129.
PIVA, Izabel M. da P. e PIVA, Rogério F. À Sombra do Elefante: a Área de Proteção Ambiental da Pedra do Elefante com guardiã da História e Cultura de Nova Venécia (ES). Nova Venécia: Edição dos Autores, 2014.
PIVA, Rogério Frigerio. Da Colonização à Emancipação: uma breve história de Nova Venécia (1870-1953). In: Patrimônio Fotográfico: catálogo de fotografias do município de Nova Venécia. Nova Venécia: AARQES, 2019. p. 12-31. Disponível para Download em: https://drive.google.com/file/d/1qLWTePp-scIwdOmrRdXdcx8J8q7O93v/view